Por Jânio Arnaud,
revisada e enriquecida por Flodoaldo Santos
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Mestre Mimico, D. Máxima, Mundico e M.Antonia |
Raimundo Inácio Ferreira nasceu em 1903, no Rio Furtados,
região de ilhas do Rio Tocantins, município de Cametá. Filho de Veríssimo
Inácio Ferreira e Ana Miranda Ferreira, cresceu, junto com seus 5 irmãos em
ambiente peculiar ribeirinho amazônico, frente aos desafios da vida na
floresta, mas com jubiloso anseio em aprender, fazer e ensinar a beleza que
existe na arte, no mundo e na vida.
Raimundo Inácio, conhecido respeitosa e carinhosamente como “Mestre
Mimico”, ainda jovem, desenvolveu habilidades para alfaiataria, praticada
em sua própria casa, às margens do rio, onde, com sua notável destreza no
corte-e-costura, produzia peças sob encomendas para a comunidade em geral.
Ainda na juventude, descobriu aptidão para a música, tocando
instrumentos de corda e percussão no grupo de banguê local “União Furtadoense”,
na companhia de seu Irmão músico Hugolino Inácio Ferreira. Aprendeu e
aprimorou, de forma extraordinária, suas habilidades e domínio de vários
instrumentos musicais, como banjo, violão, rabecão, flauta, saxofone, trompete,
percussão, entre outros, além de desenvolver conhecimentos da teoria e regência
musical, com domínio de leitura e escrita de partituras, se tornando professor
da linguagem musical multi-instrumental em sua comunidade. Junto com o referido
irmão e depois com os filhos, Veríssimo Ferreira (Vevé), Zenóbio Ferreira, Raimundo
Ferreira (Mundico) e Elias Ferreira formou a “Jazz Orquestra Aliança”, que se
apresentava em muitos eventos festivos das localidades vizinhas, se tornando
depois, nas décadas de 1970 e 1980, já munida de alguns instrumentos elétricos,
porém mantendo os de sopro, uma das mais importantes e mais solicitadas bandas
musicais da região tocantina.
Seu conhecimento refinado e culto tinha proveniência da
dedicação à leitura de livros em vários ramos de conhecimento, como geografia,
astrologia, história e, entre outros, da própria medicina, no entanto a arte
era a sua grande paixão.
Destacou-se em sua comunidade, também, na linguagem do teatro
popular, desenvolvendo muitas peças de drama pastoril, compondo músicas
personalizadas, textos de diálogos e narrativas, figurinos, dirigindo as
encenações das personagens, que interpretavam histórias bíblicas.
Tabelião de referência, conseguiu oficializar o cartório do
Rio Furtados, onde trabalhou durante 20 anos com atos jurídicos de registros de
sua comunidade.
Sua competência hábil também se aflorou na arquitetura e
engenharia, desenvolvendo projetos, e atuando na própria construção de várias
igrejas e altares de comunidades cristãs da região, dando atenção especial para
a igreja de sua comunidade, N. Sra. das Graças, com uma decoração refinada e
imponente.
Adaptou sua destreza
da engenharia para a construção náutica, confeccionando pequenas e grandes
embarcações, talento aflorado em dos seus filho, Newton Ferreira. Neste
contexto, se tornou mestre na pintura de barcos e remos, assim como de igrejas
e residências, destacando o padrão estético ribeirinho amazônico, sendo nesse
meio, seu irmão Pedro Inácio Ferreira, um grande e respeitado pintor local.
Raimundo Inácio não ficaria de fora das manifestações
folclóricas, especialmente do carnaval, idealizando, juntamente com irmãos,
filhos e amigos, alegorias carnavalescas, que tematizavam letras de marchinhas
de sucesso da época ou assuntos ligados ao folclore regional, onde eram
construídos e modelados sobre canoas, ou cascos, como são lá são conhecidos,
figuras de pássaros ou seres imaginários, utilizando materiais coletados na
própria mata ribeirinha, como cipó, folhagem, galhos de árvores, combinados a restos
de madeira, lonas, trapos de roupas e outros materiais, denominando essa
produção de “assustados”, cujo local de confecção da alegoria se
mantinha em segredo, em algum lugar de uma das ilhas do rio, até o esperado dia
da empolgante apresentação, que se dava em meio à principal festa de carnaval,
no barracão da comunidade. Para os cordões de mascarados, manifestação típica
do carnaval daquela região, Mestre Mimico compunha marchinhas em sua
letra e melodia, além das falas das personagens dos cordões, conhecidas como
comédias. Vale destacar que o Mestre compôs a primeira marchinha de carnaval
intitulada “cavalo e boi” para o renomado “Cordão da Bicharada”.
Na companhia de sua esposa, Máxima Gonçalves Ferreira, criou
e educou seus 9 filhos no mesmo ambiente ribeirinho, cenário de suas
inspirações, muitos dos quais desenvolveram talentos no ramo da música, arte
naval, marcenaria, corte-costura, tabelionato e artes plásticas.
A multi-habilidade de Raimundo Inácio Ferreira e seus
relevantes serviços dedicados à comunidade de Rio Furtados, o tornou uma figura
respeitosa e importante para seus pares, sendo consagrado um verdadeiro
baluarte. Rio Furtados, por ocasião, se tornou um lugar fértil em atividade
artística-cultural, visto como um lugar criativo.
Pelo amor que tinha ao seu lugar, Mestre Mimico,
possuía também o propósito pedagógico em seus fazeres, se tornando, seus
aprendizes, notáveis profissionais e artistas, dando continuidade ao verdadeiro
legado de conhecimento e arte por ele deixado, a exemplo de seu filho, Mestre
Zenóbio, com sua conhecida obra “Cordão da Bicharada”.
Nosso Mestre recebeu da Comunidade Furdoense, uma homenagem Post
Mortem ganhando o nome da única escola do Rio Furtados: ESCOLA MUNICIPAL DE ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO
RAIMUNDO INÁCIO FERREIRA. Seu nome também se eternizará no hino da escola de
autoria do escritor e compositor furdoense Flodoaldo Santos.
Mestre Mimico, faleceu em Belém do Pará, em 1980. Sua
passagem na história do Rio Furtados e em nossas vidas, simboliza o poder que a
arte e o conhecimento possuem de transformar e tornar esse mundo melhor e mais
belo.