Passear pela História do Porto de Cametá é navegar na
História da própria cidade e pela nossa História, pois, foi no porto que
começou a sua construção e reconstrução. É imenso o prazer de navegar. Maior
ainda é a alegria de chegar no porto do meu torrão e lá reencontrar minha
gente, meu lar, meu amor! Este torrão maravilhoso também é seu caro (a) leitor
(a).
O entendimento do atual espaço de
circulação do Porto de Cametá, nascido através de tempo histórico, é básico
para a reflexão presente de uma visão estática da realidade, primando pela
visão que ultrapassa as exterioridades, caçando como um Cabano-Camutá guerreiro
o alvorecer de seus ancestrais, para explicar a sua realidade, esmiuçando a sua
história para desobscurecer o presente e meditar sobre o futuro.
A CONSTRUÇÃO DA CIDADE E O CONTEXTO GEOLOLÍTICO EM QUE APARECE SEU PORTO
O
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Porto
de Cametá, no decorrer de sua história despertou, por muitas vezes, a atenção
geopolítica e geoestratégica nas lutas pela conquista da Amazônia e pelo poder
do Estado.
A estratégia é decorrente da política e a política é
a arte ou a ciência de governar [...]. Política é a concepção de governo e
Estratégia é a ação decorrente desta concepção.
Política é o que fazer. Estratégia é como fazer. Neste quadro incluem-se
a Geopolítica e a Geoestratégia. A Geoestratégia é a estratégia aplicada às
áreas privilegiadas pela Geopolítica. Sendo a estratégia aplicada por uma
política, haverá uma estratégia para cada política, seja ela econômica, social,
militar etc. A estratégia militar é a arte de conduzir a guerra. A guerra á a
política impulsionadora de seus objetivos por meios violentos segundo pensadores
como Montesquieu, Rousseau, Clausewitz, Jomini, Mahan, Mackinder e Lenine.
(MATOS, 1986, p.7).
É neste contexto geopolítico e
geoestratégico em que permeia o porto, que a Cidade de Cametá é construída e
reconstruída. Em um primeiro momento, para a conquista da Amazônia,
utilizando-se da força geopolítica da igreja e da estratégia militar. Revivendo
a História, vivencia-se a Cabanagem e a Contra Revolução cabana, onde o porto
novamente é fator geopolítico e geoestratégico. Neste espaço portuário, Cametá
homenageia seus “heróis”, constrói seus projetos técnico-políticos para o porto
e trava a guerra homem x natureza contra a erosão e a guerra público x privado
para a apropriação do cada vez mais valorizado espaço do porto.
S
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egundo
Reis (1982), Tordesilhas assegurava a Portugal apenas uma fatia do litoral
brasileiro. A linha fixada passaria na altura do que é hoje a cidade de Belém.
A Amazônia Portuguesa reduzia-se ao que é hoje a Região Bragantina. Evidentemente
para Portugal era muito pouco. Entretanto, embora cabendo à Espanha as
principais façanhas descobridoras, não foram os espanhóis que se atiraram à
obra inicial da exploração da Amazônia e sim os holandeses, ingleses e
franceses com objetivos mercantis e coloniais.
Portugal ganha a guerra diplomática
contra o Tratado de Tordesilhas e começa a luta pela conquista da Amazônia.
Neste contexto inclui-se Cametá nas
especulações geopolíticas e geoestratégicas dos Governos e Exército Francês,
Português e Cabano ao longo do tempo histórico.
Aliada a posição
geograficamente favorável ao recrutamento, preparação, posicionamento e
treinamento dos combatentes, o Rio Tocantins e particularmente a área
cametaense situada entre sua foz até a Vila Viçosa de Santa Cruz dos Camutás
(Cametá-Tapera), era povoada de tribos indígenas destacando-se os Camarapins,
Parissós e Pacajás. Exímios flexeiros, caçadores e conhecedores da arte de
combater flexando de suas pirogas (canoas). Esse valor humano dos aborígenes
cametaoaras despertou interesse estratégico. D’Evreaux descreveu as aptidões
bélicas de nossos nativos afirmando que:
Eram
tão dêxtros ao manejo das flechas que atirando-as ao ar vinham cair na galcota,
onde estavam os nossos soldados e nas canoas dos índios Tupinambás, ferindo
muitos. [...].
O
que seria se fossem policiados ou conduzidos e instruídos pela disciplina militar
(D’EVREAUX, apud HURLEY, 1936, p. 16).
A observação de D’Evreaux refere-se ao
episódio da chacina cometida pelo Exército Francês-Tupinambá, de La Touche, em
1613, quando 1120 tupinambás e 80 soldados franceses investiram contra as
tribos guerreiras do Tocantins, das Aldeias dos Pacayás e Parijós, onde
morreram 60 índios.
Frustrou-se a tentativa de Daniel de La
Touche, governador do Maranhão, de
hastear a bandeira de seu país nas Aldeias dos Camutás, visando a expansão da
conquista francesa. Alexandre de Moura e Jerônimo de Albuquerque expulsam os
franceses do Maranhão.
A FORÇA GEOPOLÍTICA DA
IGREJA
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uso geopolítico e geoestratégico de Cametá
continua com a igreja e o Governo Luso. A partir de 1620 os índios Camutás já
“pacificados” pela catequese e já pertencentes ao “Exército Divino” podem
também pertencer ao Exército Luso.
Não
foi fácil a pacificação dos índios Camutás. Durante três anos o Frei Cristovão
de São José, dedicou-se com sua bondade, humildade e fé em Deus, expondo sua
vida dentro do mato, à procura de almas transviadas para trazê-las e torná-las
felizes dentro do comportamento cristão (TAMER 1987, p.
10).
A missão pacificadora da igreja não
deixa de ter valor geopolítico para os portugueses, na conquista da Amazônia.
Hurley (1936, p. 20)
assim descreve essa missão: “Chegam enfim, a 22 de julho de 1617 os verdadeiros
colonizadores, os soldados de Cristo, os sacerdotes da paz e da ordem”[...].
A ação geopolítica da
Igreja Católica foi a semente que lançou o alvorecer da Cidade de Cametá e seu
primeiro porto. A essência, o embrião da cidade, foi lançado nas origens da
primeira povoação em Cametá-Tapera, por Frei Cristovão de São José, em 1617, um
ano após a fundação de Belém, quando conseguiu trazer os Camutás para junto da
ermida que plantou às margens do Tocantins, em 1620, como ensina Pompeu (2002,
pág. 27-28).
O primeiro
sacerdote a realizar trabalho de catequese por estas plagas foi Frei Cristóvão
de São José [...]. Por aqui ele aportou por volta de 1617, numa faixa de terra
que é a primeira porção de terra firme à margem, esquerda do colossal Tocantins
- Cametá-Tapera. Imediatamente entrou em contato com a tribo dos Camutás, conhecidos
como hábeis construtores de montarias e exímios caçadores. Depois de árdua catequese
conseguiu arrebanhar alguns índios para a circunvizinhança de uma ermida às
margens do rio. Isso ocorreu por volta de 1620, originando-se assim o primeiro
povoamento do baixo Rio Tocantins.
Essa
povoação serviria posteriormente como alicerce para a capitania de Feliciano
Coelho de Carvalho e pilastra mestra para a consolidação da cidade de Cametá.
Considerando-se esse evento histórico da
Igreja Católica. Se nos primeiros três anos, Frei Cristovão de São José, (na
margem esquerda tocantina, hoje denominada Cametá-Tapera), expôs sua vida
dentro do mato a procura de almas transviadas, então, essas almas, não
habitavam ainda nessa localidade. Em tempos anteriores a 1620, esses aborígenes
eram, como os batizou Tamer, “almas transviadas” infelizes, viventes dentro do
mato, por não terem “comportamento cristão.”
Como filhos e “filhas das matas”,
emprestando o título do livro da historiadora e escritora cametaense Celeste
Pinto (2010), os Camutás, pré-cristãos, provavelmente ainda não poderiam ser Camutás
remeiros, construtores de montaria, moradores de casas nas árvores para vigiar
inimigos vindos pelo rio e navegar em piroga ligeira, como cantamos no Hino de
Cametá, pois, se viviam transviados dentro do mato, era mais provável que
fossem exímios caçadores e tivessem outras habilidades.
As evidências históricas, no entanto,
mostram que os Camutás foram indígenas ribeirinhos e que se estabeleceram no
lugar que se transformou em Vila Viçosa. A cruz dos cruzados,
estampada na Bandeira de Cametá, é uma homenagem ao Custódio Frei Cristóvão de São José, frade
capuchinho, considerado fundador da Povoação de Santa Cruz dos Camutás, em 1620.
Data não considerada oficialmente, para a fundação da Vila Viçosa e da Cidade
de Cametá e sim, 24 de dezembro de 1635.
Existe
a possibilidade de terem, os Camutás, se fixado em outra localidade ribeirinha
do Tocantins e/ou de terem sido nômades, antes de 1617, como defendeu em comentário
com esse autor o Prof. Hélio Vasconcelos, editor desta obra.
A comprovação dessas possibilidades e de
seu tempo histórico, somente seria possível, com um longo e competente estudo arqueológico
e geológico, mas as “águas assassinas” do Tocantins destruíram todas as
primeiras terras dos Camutás e o primeiro Porto de Cametá. Que bom seria se
esses cientistas pudessem encontrar um fóssil de uma bela e atraente camutá de tanguinha
multicolorida em penas de pássaros! Ou para nosso consolo, encontrassem uma
túnica preta fossilizada, do nosso não considerado fundador oficial, Frei
Cristovão de São José! Ou na pior das hipóteses, um tacape ameaçador de um
temível Chefe Guerreiro Camutá!
Amigo leitor, o parágrafo anterior
foi para descontração. Voltando a seriedade, reflita comigo. Com qual
ferramenta nossos silvícolas construiriam habilmente montarias, remos, casas
aéreas, se não tinham ainda contato com o “mundo civilizado”? pois, recorrendo
Cruz, citado por Pompeu (2002, p. 24) “Nossa colonização principia com a
concessão da donataria de Santa Cruz dos Camutás a Feliciano Coelho de
Carvalho” em 1633. Foi com a colonização que chegaram as ferramentas e “apoio”
para os indígenas. Em Pompeu (2002, p. 13), verifica-se que “As pesquisas
históricas comprovam a existência do grupamento indígena Camutá, pertencente à
nação Tupinambá. Há registros que o povo Tupinambá habitava a região dos baixos
rios e a ilha do Marajó”
Mas, tendo os Camutás aprendido a arte
de construir montarias, remar ligeiramente em pirogas, viver trepados em
A ESTRATÉGIA MILITAR
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omente
após a vitória no jogo geopolítico da “pacificação” dos indígenas é que os
portugueses passam a utilizar a estratégia militar. Inicia-se a formação dos Exércitos
Luso-Aborígenes que saíram do Porto Cametaense para a conquista da Amazônia.
Em 1632, na Vila Viçosa de Santa Cruz
dos Camutás, “Feliciano Coelho de Carvalho reuniu 5.000 índios de guerra,
exímios flecheiros, remeiros, nadadores e mateiros e 240 soldados lusos, a bordo
de 127 canoas” (HURLEY 1936, p. 32). Com esse exército tomou e destruiu
o Forte Camaú (hoje Macapá) impondo duro castigo aos índios Nhangaíbas que eram
aliados dos ingleses.
Após cinco anos, em 1637, Pedro
Teixeira, na mesma Vila Viçosa e no mesmo Porto Cametaense, organizou sua expedição
recrutando 1.000 índios flecheiros, remeiros e tripulantes, construindo 45
embarcações. Partiram da praia de Cametá-Tapera até Quito no Peru, continuando
a conquista da Amazônia.
Francisco Coelho de Carvalho, governador
das Províncias do Maranhão e Grão-Pará, concede em 1633 à Feliciano Coelho de
Carvalho, seu filho, uma donataria, em recompensa pelos “seus” trabalhos na
conquista da Amazônia, principalmente no episodio da expulsão dos ingleses de
Camaú, terra dos índios Tucujus. Essa capitania abrangia a Região Tocantina com
sede na Vila Viçosa, popular Cametá-Tapera, que foi o porto militar da
capitania visto que era o lugar de maior interesse geopolítico naquela época.
Em 24 de dezembro de 1635, ocorre a fundação oficial da Vila Viçosa de Santa
Cruz dos Camutás e nesse local permaneceu por 67 anos, até 1702, segundo Tamer,
quando foi transferida para a localidade chamada Murajuba, antiga aldeia
Tupinambá, hoje Cametá. Sua transferência foi pelo acelerado processo de erosão
fluvial e pluvial da vila, por decisão popular. Mestre Penafort[1], porém,
afirmou que entre 1670 e 1690 a Vila Viçosa foi transferida para o Sítio Parajó
(denominação Tupi-Guarani da antiga Aldeia dos Parissós), pelo Padre Manoel
Nunes, devido a crise de Varíola em Vila Viçosa, a partir de 1662.
[1]
Raimundo Penafort de Sena. Foi Diretor do Museu Histórico Cametaense. Professor de História e tradicional
conhecedor da História de Cametá, além de músico e literato. Faleceu no ano de
2001.
Fonte: O Porto de Cametá no espaço de circulação / Flodoaldo Moreira dos Santos. – Cametá-PA : Ed. Lendoas, 2015, pág 17 a 24
VIEIRA , Daniel. Tribo indígena que vive em cima das árvores, 2011. Disponível em
, Tribo indígena que vive em cima das árvores; acesso em 13 jun 2015
Fonte: O Porto de Cametá no espaço de circulação / Flodoaldo Moreira dos Santos. – Cametá-PA : Ed. Lendoas, 2015, pág 17 a 24
VIEIRA , Daniel. Tribo indígena que vive em cima das árvores, 2011. Disponível em